Um policial galã de pantalona
É uma dádiva relembrar as melhores passagens da minha vida! Meus pensamentos vão longe ao lembrar da vida tranquila que vivi com minha família nesta antiga Boa Vista…Desde cedo fui trabalhador, aos 12 anos tive meu primeiro emprego, trabalhava durante a semana naquele comércio simples, mas que tinha muito movimento, a folga era apenas aos domingos, dias de pura diversão e alegria! Cresci em uma época tranquila, diferente de hoje, sem tanta violência, um tempo que nada mais importava além da diversão e estudos, mesmo trabalhando, sempre fui dedicado, estudei em diversas escolas de Boa Vista, recordo de duas, Lobo D´Almada e Osvaldo Cruz.
Despertava-me com a voz alta e doce de minha mãe acordando meus irmãos que estudavam de manhã; meu dia começava com o trabalho e a tarde a escola. Lembro-me dos dias de aula particular, meu pai, mesmo diante das dificuldades, chamava um professor para ensinar as matérias aos domingos, aquele barulho da palmatória batendo na mão dos meus irmãos que não conseguiam acertar a tabuada, despertava medo e me motivava estudar! Eu ouvia os gritos das crianças brincando lá fora, queria estar lá também, mas saía de dentro daquela sala apenas quem aprendia.
As casas eram simples e pequenas, morei em várias, uma mais simples que a outra, quando não tínhamos dinheiro para o Bombril, usávamos folhas de caimbé, árvore nativa de folhas ásperas, deixava as panelas brilhando como se fossem novinhas, saindo da loja! Os jipes eram os únicos carros da época e os jipeiros (motoristas) ficavam na praça aguardando passageiros. Hoje têm aplicativos para chamar táxis e Uber, antigamente, íamos a pé ou de bicicleta combinar com os jipeiros para buscar os passageiros.
Aos domingos, costumávamos nos reunir e se divertir. Na infância, brinquei com peteca, pular macaca (atual amarelinha), essa as meninas adoravam! Ficavam jogando aquelas pedrinhas e pulando como se não houvesse amanhã. Cresci e tornei-me um rapaz, as brincadeiras eram outras, passei a sair com os amigos para namorar e dançar usando nossas charmosas pantalonas, o auge da época, aquelas calças coladas e abertas da canela para baixo, me sentia um galã! Rsrs. Mesmo com poucos lugares divertidos, sabíamos aproveitar! Naquele tempo, tinha a “Festa do Mingau”, encontrávamos todos em um mesmo local e íamos juntos à festa, conhecíamos lindas meninas, pena que a festa acabava cedo por conta dos geradores de energia que eram desligados as 22:00h.
Aos 18 anos, em 1972, fiz a prova para sargento, estava nervoso e minhas mãos tremiam, dos 300 concorrentes, apenas 36 passaram, mesmo com todo nervosismo, conquistei e fui o mais novo sargento entre todos os meus colegas. Além da polícia, o exército fez parte de minha vida também, quando me alistei era uma das melhores opções da época, a polícia foi uma das melhores escolhas que fiz! Antes não existia o Corpo de Bombeiros aqui, quem atendia todas as ocorrências éramos nós. O tempo passou tão rápido, a cidade foi crescendo e ganhou um Corpo de Bombeiros. Antigamente, no desfile de 7 de setembro, desfilávamos com nossos fuscas que eram as viaturas na minha época.
Houve um tempo em que o garimpo fez sucesso aqui na cidade, as pessoas viajavam em situações horrendas atrás de emprego nos garimpos, nas longas e cansativas viagens que eles faziam, acabavam pegando doenças por falta de higiene e alimentação durante o percurso, e acabavam morrendo… Lá se vinha o “piripipi piripipi” que era o barulho que o telegrama fazia quando chegava para nos comunicar a morte dos pobres garimpeiros, e lá íamos fazer a retirada do corpo.
Do meu tempo para cá, a parte cultural e alguns prédios mudaram…Temos shoppings e muitos imigrantes venezuelanos fugindo da fome, causando uma explosão demográfica muito grande na nossa capital. Confesso que naquela época eu nem sonhava com a cidade assim. Até a diversão não precisa mais acabar às 22 horas! Vivi cada fase aproveitando as oportunidades e criando a minha própria história nesses 72 anos que meu corpo carrega.
Texto de memórias literárias da aluna Manuela Katarina, 7º ano c, com base na entrevista realizada com o senhor Sebastião Carlos Cortez.